Em meio a um frágil cessar-fogo que suspende temporariamente mais de dois anos de conflito devastador entre Israel e Hamas, líderes religiosos em todo o mundo ecoam um sentimento uníssono: a ausência de disparos não significa a presença da paz. A mensagem, sublinhada por uma carta aberta de bispos da Igreja Evangélica Luterana Finlandesa, desafia a comunidade internacional a olhar para além do alívio momentâneo e a buscar uma transformação fundamental na região.
Enquanto os primeiros reféns são libertados e prisioneiros palestinos retornam para casa sob um acordo mediado pelos Estados Unidos no início de outubro, a declaração dos bispos finlandeses ressoa com urgência. "Como cristãos, acreditamos que a paz não é apenas a ausência de guerra, mas a presença de Cristo", escreveu Kaisamari Hintikka, bispa da diocese de Espoo. "A paz é um estado a ser buscado, um modo de vida que flui do coração do indivíduo para as comunidades e, finalmente, para o mundo inteiro."
Este apelo por uma paz mais profunda e significativa vai ao encontro de análises teológicas e políticas do antigo conceito bíblico de "shalom". Diferente da noção ocidental de paz como mera interrupção de hostilidades, "shalom" abrange a ideia de integridade, justiça, bem-estar e relacionamentos corretos entre Deus, a humanidade e a criação.
"Um cessar-fogo é uma interrupção temporária. A paz é um período duradouro onde não apenas a guerra termina, mas também há justiça e plenitude", explica o cientista político John Heathershaw. "De uma perspectiva cristã, isso exige arrependimento por parte daqueles que cometeram violência e perdão mútuo. São exigências muito, muito grandes neste contexto."
A ansiedade permanece palpável em Gaza. Relatos da Defesa Civil Palestina sobre disparos das Forças de Defesa de Israel (IDF) mesmo após o início do acordo mancham o otimismo inicial. O acordo, que na sua primeira fase prevê a troca de 20 reféns vivos por centenas de prisioneiros palestinos, ainda deixa o destino dos corpos de outros 24 reféns em um limbo doloroso, adicionando uma camada de complexidade às negociações.
A voz dos bispos finlandeses não está isolada. Líderes das igrejas em Jerusalém também emitiram uma declaração conjunta saudando o cessar-fogo como um "primeiro passo", mas pedindo que as negociações se ampliem para "incluir o fim da Ocupação tanto na Cisjordânia quanto em Gaza, levando ao estabelecimento de um estado palestino vivendo lado a lado em paz com o Estado de Israel".
Enquanto figuras políticas como Donald Trump declaram ter "encerrado 3.000 anos de conflito" e o primeiro-ministro britânico Keir Starmer reconhece que uma paz duradoura "não é um desafio pequeno", a mensagem que emana das comunidades de fé é clara. Eles pedem uma profunda mudança cultural e espiritual, argumentando que acordos políticos, embora essenciais, são insuficientes para curar as feridas de gerações.
"Sempre podemos escolher entre a paz e o conflito, o amor e a inimizade", afirma a carta finlandesa. "Essas pequenas escolhas que fazemos todos os dias também contam." O desafio agora é transformar o silêncio momentâneo das armas em uma base sólida para uma "shalom" justa e duradoura para israelenses e palestinos.
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